Concessionária de energia elétrica pode negar troca de titularidade por débitos anteriores?

Pela minha experiência, atuando como advogada assessorando imobiliárias, posso dizer que existem dois principais problemas enfrentandos nesse sentido:

A primeira questão é quando o locatário entra no imóvel com a luz ligada, e não efetua a troca de titularidade, utilizando o serviço e mantendo a titularidade em nome do locador, sendo que a falta ou atraso no pagamento pode gerar consequencias ao locador, que é o titular. Uma dúvida que costuma surgir nesses casos: o locador pode pedir para desligar a energia, já que está em seu nome?

É ilícita a solicitação de desligamento da energia elétrica feita pelo locador, podendo inclusive gerar danos morais e materiais, existindo inclusive diversos julgados nesse sentido.

Mas como devo prosseguir nesse caso?

O ideal é que no contrato de locação exista uma cláusula obrigando o locatário a efetuar a troca de titularidade em um determinado prazo sob pena de aplicação de multa diária. Veja abaixo um modelo dessa cláusula:

“No prazo de até 07 (sete) dias contados da assinatura deste CONTRATO, o LOCATÁRIO deverá promover a transferência de titularidade da conta de luz para o seu nome, efetuando, em sendo o caso, a nova ligação/religação/reativação, sob pena de multa diária de R$50,00 (cinquenta reais).”

Também podemos acrescentar uma cláusula do locatário outorgando poderes específico ao locador/imobiliária para promover a alteração da titularidade:

O LOCATÁRIO, nomeia o locador/imobiliária, como seu procurador, outorgando-lhe poderes específicos para, promover a alteração da titularidade dos contratos junto à Companhia Elétrica, correspondente ao referido imóvel objeto deste contrato, a fim de que conste o nome dele, LOCATARIO, nas respectivas faturas, a partir da data do início do contrato. Por ocasião do término da locação poderá também o locador/imobiliária adotar as providências necessárias para a exclusão do nome do LOCATARIO dos órgãos retro mencionados, com a rescisão dos aludidos contratos e consequentemente o desligamento do fornecimento dos serviço de energia.

A outra questão que costuma gerar transtorno entre locatários e locadores é sobre o impedimento da empresa de energia elétrica na troca de titularidade alegando existir débitos do inquilino anterior.

Ao se deparar com essa questão tanto locador tanto locatário costumam entrar em desespero, visto que, o imóvel ja foi alugado e o locatário precisa de luz para morar. Por muitas vezes o proprietário ou o próprio inquilino assumem a dívida de terceiro pois não possuem conhecimento sobre o assunto.

A empresa de energia elétrica não pode condicionar a troca de titularidade ao pagamento de débito anterior de terceiro. Trata-se de uma obrigação “propter personam”, ou seja, que fica atrelado ao CPF da pessoa e não ao imóvel. Por conta disso, as empresas de energia não podem cobrar o débito de outra pessoa, que não seja a cadastrada em seu sistema no tempo em que houve a cobrança e nem condicionar a troca de titularidade ao pagamento desses débitos, existindo inclusive diversos julgados neste sentido:

TJ -MT XXXXX202081100001 MT

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RELIGAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DO DÉBITO DE PRETÉRITO EM NOME DE TERCEIRO. ILEGALIDADE. OBRIGAÇÃO PROPTER PERSONAE. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS PELA COMPRA DE ÁGUA. RECURSOS CONHECIDO DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento que a obrigação pelo pagamento de contas de consumo de água possui natureza pessoal, não se caracterizando como obrigação de natureza protem em (AREs XXXXX/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 10/12/2019), 2. Restou comprovado nos autos que os débitos objurgados se referem a uma dívida deixada por terceiro (Sr. Meri Rodrigues Alves), antigo usuário da UC em questão. Com efeito, o reclamante juntou print da conversa realizada no aplicativo de conversa, não impugnado devidamente pela Concessionária, em que há a exigência de quitação do débito para religação da unidade consumidora. 3. Configurada está a falha na prestação do servico, em razão da exigência de quitação de débitos de terceiro para religar a unidade consumidora. 4. A negativa de troca de titularidade e religação dos serviços de água e esgoto por débitos pretéritos configura dano moral in re ipsa, ou seja, e presumido e não carece de prova da existência do prejuizo para surgir a obrigação de indenizar. 5. Responsabilidade objetiva quanto ao dano causado ao consumidor, nos termos do artigo 14 do CDC. 6. Conduta ilícita que enseja compensação por danos morais. 7. Quantum indenizatório majorado para R$5,000,00 (cinco mil reais). 7. Danos materiais devidos a partir do momento em que o reclamante teve a negativa da concessionária reclamada. 8. Recurso conhecido e desprovido.